segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Entrevista com Sua Ex.cia Reverendíssima Sr. D. Manuel Felício


Antes de mais o nosso bem-haja pela cedência desta entrevista que tem como finalidade principal, estabelecer um diálogo aberto sobre a importância da escola na evolução da sociedade. Esta entrevista será publicada na íntegra no Jornal da Escola: Baril.

Vivemos um mundo imbuído pela secularização e pelo laicismo e por isto é urgente criar uma escola onde o aluno seja informado e formado da realidade, comparada entre a vida, a evolução e o progresso. Consequentemente, a escola deve preocupar-se com a interacção e a comunicação entre todos os seus elementos, na busca da compreensão e responsabilidade, na tentativa de levar os alunos a ler os factos de forma consciente e crítica.

O contexto escolar só se entende enquanto promotor da perspectiva da formação de um ser total que busque a simbiose entre o saber ser e ao mesmo tempo um saber viver.

- Qual a importância que dá à escola, no tempo actual? O que se pode esperar dela?

A escola continua a ter importância fundamental e decisiva no desenvolvimento da pessoa e da própria sociedade. Temos o direito de esperar da Escola uma séria cooperação com as famílias e com a sociedade para criar todas as condições que permitam às nossas crianças, adolescentes e jovens crescerem como pessoas em todas as dimensões de um humanismo completo.
- Podemos dizer que o contexto escolar actual é de, alguma forma, condicionado pelas mudanças cíclicas de um sistema preenchido por sinais de complexidade e que impossibilitam a prossecução de um modelo educativo estável e promissor para as gerações mais novas. Concorda com esta afirmação?

Mais do que mudanças cíclicas, aquilo a que nós hoje estamos a assistir é a uma verdadeira revolução social e cultural, que pretende pôr em questão os fundamentos da vida em sociedade. A complexidade que se desenha à nossa frente tem a ver principalmente com a recusa de referências que possam balizar qualquer projecto educativo que se preze de o ser. Não defendo modelos educativos únicos, mas a verdade é que sem coerência nas propostas educativas não é possível educar. E este é talvez o problema mais complexo e sem solução à vista na nossa sociedade. Quando a verdade é a minha verdade, ajustada tão só aos meus interesses e o bem é para mim aquilo e tão só aquilo que me dá gosto, não é possível haver propostas educativas. E não nos admiremos que a Escola se refugie, então, nas funções de transmissora de cultura ou, quando muito, de competências que habilitem a pessoa para funções de produtividade e mais nada. Mas o facto é que nós esperamos da Escola que seja capaz de assumir o seu papel de construtora de personalidades.

- Ao longo das sucessivas visitas pastorais que tem feito às várias Paróquias da nossa Diocese, tem tido oportunidade de conhecer e contactar com diferentes realidades escolares. Qual tem sido a sua percepção? Considera que a escola actual corresponde aos desafios da formação integral da Pessoa Humana?

Tenho encontrado escolas com vontade de avançar por caminhos capazes de criar condições para o desenvolvi¬mento pessoal e social. Tentam projectos educativos válidos e bem concertados com as famílias e outras instâncias da sociedade. E algumas vão conseguindo resultados, vencendo as dificuldades comuns a muito do que é a moda dominante nos ambientes da actualidade. Uma moda cultural e social que continua a defender, de forma mais explícita ou menos, o abandono das nossas crianças, adolescentes e jovens às contingências das suas inclinações e demitindo-se de lhes propor caminhos exigentes para metas bem definidas e que sejam sedutoras. Esperamos das escolas modelos educativos capazes de contrariar este facilitismo e capitulação da responsabilidade pessoal.
- Para que a escola tenha uma dimensão activa e participativa, quais são, na sua opinião os pressupostos, os fundamentos essenciais para que isto aconteça?

A escola tem de ser, por definição, antes de mais, uma comunidade educativa. Como comunidade tem de ser feita de relações e estas, por natureza, levam à participação na medida em que ajudam a descobrir e estimulam as capacidades de cada educando e despertam nele o entusiasmo de as colocar ao serviço. Para a escola ser activa, como lhe compete, precisa de saber introduzir, desde o mais cedo possível, o princípio e o gosto do empreendedorismo. Pretendo com isto dizer que as crianças, desde muito cedo, entusiasmam-se com iniciativas suas, partilhadas com colegas, nas quais definem objectivos, reúnem os meios e se põem a caminho. E aqui é preciso introduzir também desde o princípio o hábito da avaliação, auto e hetero-avaliação. Não há que ter medo da avaliação, porque ela não trau¬matiza ninguém e só ela faz crescer em verdadeira humanidade.
- Como é que ou de que maneira é que a escola poderá contribuir para a missão evangelizadora da Igreja?

Evangelizar ou anunciar o Evangelho não pode entender-se como uma qualquer ideologia, ao lado de outras, mas sim como um conjunto de valores humanos fundamentais anunciados por Cristo para reconstrução da pessoa e da sociedade. Todos sabemos que a Europa, nos valores e na civilização que a projectaram no mundo, é profundamente devedora do Evangelho. Portanto, na medida em que a escola quer dar o seu contributo válido para redefinir a sociedade do futuro, em modelos que superem e não repitam os erros do passado, que levaram á actual crise, só ganha inspirando-se nos valores do Evangelho, os quais colocam a pessoa humana no centro de tudo e as relações sempre à frente das funções ou do exercício das competências.

- O que pensa sobre as orientações emanadas dão Ministério da Educação que sustentam a nova Reforma Curricular para o próximo ano lectivo?

Não sou pedagogo nem metodólogo. Mas penso que qualquer sistema educativo, para ter sucesso, tem de promover a relação de proximidade. E quando a escola perceber que, para além de transmissora de competências técnicas, tem de colocar-se activamente ao serviço da construção de personalidades, então passará a privilegiar a relação interpessoal. Mais do que princípios, estas são condições para a escola ser de verdade uma comunidade educativa. Se estes pressupostos ficam ou não criados com os novos enquadramentos que estão já a ser definidos para o próximo ano lectivo, não é matéria sobre que eu deva pronunciar-me.

- Pedia-lhe, para finalizar, uma mensagem de esperança para toda a comunidade educativa.

Desejo, finalmente expressar a toda a comunidade escolar da Escola Dr. Abranches Ferrão, que eu tive oportunidade de visitar e onde me senti muito bem acolhido, o meu apreço pela realidade que pude observar, tanto nos alunos, como nos professores, no pessoal administrativo e de serviço como também na equipa responsável pela condução da vida escolar. A todos desejo deixar uma palavra de estímulo para continuarem a percorrer os caminhos de um modelo educativo capaz de abrir horizontes de esperança a quantos fazem parte desta comunidade escolar e também à própria sociedade envolvente, necessitada, hoje como nunca, de propostas inovadoras a todos os níveis.

Guarda, 15 de Junho de 2012
Manuel R. Felício, Bispo da Guarda





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